25 Jun 2019
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Quem visita a Feira Cultural da capital do Mato Grosso do Sul depara-se com uma estrutura de 4,5 metros de altura que homenageia o maior símbolo gastronômico da região: uma magistral tigela de soba!
É difícil imaginar que uma das iguarias de maior sucesso da região Centro-Oeste brasileira tenha qualquer ligação com o budismo ou com a imigração japonesa, não é? Mas foram estes os fatores que trouxeram o soba até Campo Grande!
Imigrantes japoneses encontraram no Brasil moradia, segurança e trabalho e trouxeram consigo traços da cultura asiática, fortemente influenciada pela religião budista. Um dos pratos favoritos deste povo conquistou o nosso paladar e dominou a cultura local, transformando-se em um verdadeiro patrimônio.
A história começa lá atrás, no século II, quando monges e monjas budistas viajaram pela Ásia levando seus princípios, crenças e costumes. Entre eles estava o consumo de ingredientes indianos e chineses de origem vegetal, como o trigo sarraceno – em japonês, “soba” –, que, misturado a outros cereais sovados em água, era a base de uma sopa.
Delicioso e nutritivo, este prato atraiu uma multidão de apreciadores quando chegou ao Japão por volta do ano 552. Vendido inicialmente nos próprios templos budistas, depois invadindo as cozinhas residenciais e, por fim, sendo feito e vendido por ambulantes em cestas chamadas de “furi-uri”, que anunciavam sua chegada com sinos pelas ruas e centros comerciais, o soba ganhou o reconhecimento de historiadores como o primeiro fast-food.
Quando imigrantes estrangeiros vinham ao Brasil no início do século XX, encontravam um país que recentemente abolira a escravidão e patrões em busca de mão de obra barata. Estabelecendo-se aqui em troca de trabalho e moradia, foram eles que nos presentearam com grande parte do subsídio cultural que viria a ser parte da nossa própria nacionalidade.
Em 1908 os nativos da ilha japonesa Okinawa chegaram à cidade de Campo Grande e, com eles, uma tigela suculenta, nutritiva e deliciosa de sopa!
Apesar de “soba” ser a palavra japonesa que significa trigo sarraceno, este acabou sendo o termo usado para massas orientais no geral, como, por exemplo, o yakisoba, e também o nome do prato saboreado normalmente da seguinte forma: macarrão japonês com carne suína, gengibre, cebolinha, cheiro-verde, saquê-mirin, shoyu e, claro, bastante caldo.
Reza a lenda que a massa do soba era usada para recolher ouro e, por isso, atrairia riqueza. Outros acreditavam que sua elasticidade e resistência são símbolo de vida longa. Qualquer que seja a crença, essa mistura deliciosa de ingredientes faz parte de três tradições fofas no Japão: a de comer soba na véspera de ano-novo (omisokasoba), na passagem do ano (toshikoshisoba) e presenteá-lo a um novo vizinho (hikkoshisoba).
E o sucesso vai além do sabor: com alto teor de nutrientes – rico em proteína e vitaminas B1 e B2 –, o soba é um prato que ajuda a fortalecer as veias capilares, a ativar as funções do pâncreas, reduzir o açúcar no sangue e combater a pressão alta. Não é à toa que Okinawa tem a fama de abrigar o maior número de idosos centenários do mundo!
Quem já provou esta iguaria na cidade de Campo Grande, deve ter balançado a cabeça em desaprovação ao ler alguns itens acima. Aqui, virou costume preparar a massa com farinha branca no lugar de trigo sarraceno e com carne bovina (ou até mesmo de frango) ao invés de suína.
E vale a pena prestar atenção ao preparo sul-mato-grossense: há barracas da Feira Central de Campo Grande que vendem 100 sobas por dia! A população se apaixonou de tal maneira que inclusive tombou o soba como Patrimônio Cultural Imaterial e o elegeu como prato típico da cidade, derrotando o espetinho e o arroz de carreteiro.
A emissora japonesa Ryukyu percebeu que a galera de Campo Grande não estava de brincadeira e fez uma reportagem exclusiva sobre a feira, mostrando como os okinawenses desenvolveram sua cultura aqui e apreciando que, mesmo dando nosso jeitinho brasileiro com carne de boi, garfo e faca, o soba atravessou o mundo e deu caldo!